terça-feira, 13 de maio de 2014

"Vai me olhar com outros olhos ou com os olhos dos outros?"

Viver com as diferenças é uma necessidade vital, e um dos seguimentos mais incompreendidos da nossa sociedade é o que agrega as pessoas em sofrimento mental. Durante a época clássica, o hospício representava o espaço de recolhimento de toda ordem de marginais, todos aqueles que ameaçavam a lei e a ordem social. O que acontecia na Antiguidade era totalmente uma incompreensão. 

Segundo afirma AMARANTE (2007), o hospital foi perdendo cada vez mais suas funções de origem de caridade e depois de controle social – e passou a assumir uma nova finalidade: a de tratar os enfermos. Com as denúncias da violência dos manicômios, da mercantilização da loucura, nasceram as primeiras experiências de "reformas psiquiátricas". O período pós-guerra torna-se cenário para o projeto de reforma psiquiátrica contemporânea, onde as próprias instituições tinham características doentias e que precisavam ser tratadas. “Os manicômios falharam em sua tarefa de cuidar do 'doente mental', não conseguindo reverter e nem sequer minorar seu sofrimento, ao contrário, esse sofrimento aumentou, pois passou a relacionar-se ao não sentido de ser desses pacientes.” (Henriette Morato, p. 349, 2004) Para Amanda Caldas (2001), ao longo da trajetória da loucura, os ditos loucos tiveram sua cidadania roubada, seus direitos violados, sendo enclausurados em espaços desumanos, porém, tudo isso teve perspectivas de mudança com a Reforma Psiquiátrica. Nesse contexto, surge a Antipsiquiatria, como uma negação radical da Psiquiatria tradicional ou clássica, afirmando que a doença mental é uma construção da sociedade. Como diz José Leon Crochík (2006), a sociedade discute a necessidade dos direitos serem iguais para todos e tenta estabelecer mecanismos para tornar possível o que tem se denominado inclusão social. Uma sociedade que se sustenta pela ameaça de exclusão, ainda que velada, daqueles que não seguem seus ditames, gera continuamente a necessidade de estabelecimento de preconceitos, como forma de defesa individual.

A discriminação social contra os ditos “loucos”, prosseguem, indignando todos os que lutam pela justiça, pela igualdade e pela liberdade, sem que isso diminua o valor do que foi alcançado pelas lutas dessas e de outras minorias. Certamente, fortaleceu-se o clima cultural geral contra o preconceito e a discriminação com os doentes mentais, mas, conforme mostram algumas pesquisas, formas mais sutis vêm se desenvolvendo. Se trata da compreensão do outro, e não de querer enquadrar. A psicologia, enquanto trata do que é, e não do que deveria ser, tenta fazer com que as pessoas se encontrem, e não com que se enquadrem, uma vez em que a igualdade não é todos sermos iguais, e sim respeitarmos as diferenças. Porque a moral acaba sendo muito vinculada a normatização, e se ela for o norte de um trabalho terapêutico, ela vai se preocupar especificamente com a questão da cura, do ajustamento, a moldar as pessoas a determinadas expectativas, deixando de lado muitas vezes a preocupação com o sofrimento psíquico, com a implicação da subjetividade. 

Basaglia sabia o que propunha quando criou os dois slogans do processo de transformação italiano: “a liberdade é terapêutica” e “contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática”. Educar para a convivência, bem sabia Basaglia, é desafio para otimistas. É a convivência democrática, respeitosa, terna, de qualidade, que promove a inclusão social. A atenção dos profissionais de saúde mental, os cuidadores, deve propiciar o encontro, a escuta, a justiça, a generosidade. Promovendo as aberturas das portas – garantindo o direito de ir e vir. Segundo Baton, psiquiatra inglês – a rotina asilar seria causadora de uma outra doença, a “neurose institucional” Diante disso, torna-se necessário sugerir políticas culturais para os grupos em sofrimento mental em riso social. Dentro da ideia de que produzir saúde não é só ir ao médico, não é só tomar remédios, não é só usar equipamentos sofisticados, mas é sobretudo, criar condições na sociedade para as pessoas viverem bem. Priorizando propostas e projetos que vizem a inclusão social de pessoas com sofrimento psíquico.
Na realidade, o problema das instituições psiquiátricas revela uma questão das mais fundamentais – a impossibilidade, historicamente construída – de trato com a diferença e os diferentes. Demonstra o quanto tal concepção binária – razão e desrazão – denota uma função normatizadora e produtora de lugares. Onde é necessário ter muito cuidado pra não patologizar o sofrimento. Os tratamentos dados as pessoas precisam ser um tratamento um pouco mais humano, um pouco mais próximo, mais condizente com o que nós nos denominamos – seres humanos. Em um universo das igualdades, os loucos e todas as maiorias feitas minorias ganham identidades redutoras. Sendo assim, precisamos caminhar rumo a uma sociedade sem manicômios e com uma Rede de Atenção Psicossocial pública, humanizada e territorial, na tentativa de dar ao problema da loucura uma outra resposta social, não asilar. Tudo isso tem efeitos positivos também do ponto de vista da cidadania brasileira. "Que estranha instituição seria essa que sequestrava e aprisionava aqueles aos quais pretendia libertar? "(Paulo Amarante, p. 36, 2007).





Por: Raí Ramos de Moura



7 comentários:

  1. A discriminação e a loucura são assuntos sociais, culturais e históricos de toda uma desigualdade social que o país sofre desde o início da sua história.

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  2. Raí Ramos: A saúde mental se promove nas relações entre as pessoas e delas com o meio em que vivem.

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  4. A prisão do medo que sobre nós se manifesta quando nos conformamos com a simples forma de ignorar o outro com suas necessidades, é um ato de covardia que não sugere vida, mas um ato de alienação que escraviza o homem a irreflexão sobre a sua própria vontade, que está sob o julgo de uma sociedade que ainda se cega para com as demandas dos seus integrantes.

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  5. Como pode em preno seculo XXI e nós vermos se trazemos todas coisas de tempo atrás onde o louco era tido como endemoniado e tinham que ser mantidos a correntes e bem longe da sociedade trancados,onde hoje temos algumas instituições que não se tem esta visão mas ainda muito longe da verdadeira reforma antimanicomial,mas nós psicologos em formação temos que mudar esta visão e principalmente da sociedade.

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  6. Infelizmente o que ainda falta para muitos é um olhar mais humano, afinal o mundo gira e não sabemos o que ele nos reserva.

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  7. Cada sujeito na sua individualidade precisa cultivar a sua responsabilidade, principalmente diante de fatos que se tornam cada vez mais evidentes na sociedade. As pessoas estão mantidas em uma constante zona de conforto, a saúde mental grita por ajuda, pela melhoria na qualidade de vida das pessoas em sofrimento mental, e dos serviços ofertados que são ainda insuficientes e carentes de investimentos.

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